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quarta-feira, 24 de março de 2021

AMÉRICA LATRINA E O GIGOLÔ AMERICANO - LIVRO DE POEMAS DE 1988 - POESIA.


O LIVRO “AMÉRICA LATRINA E O GIGOLÔ AMERICANO” (1988) E O INÍCIO DA DISPERSÃO (1989).

 

"América Latrina e o Gigolô Americano" (Versão original de 1988), 
e a versão digitalizada de 2000/2005.

Link: Cetáceos - 1988 (Marco Alexandre Rosário/Jofre Jacob de Freitas)


OBS: "Cetáceos", de 1988, foi a última música feita por Marco Alexandre Rosário na década de 1980. Ele só voltaria a compor músicas novamente a partir de 2003. "Cetáceos" também é a primeira e única música feita em parceria com outra pessoa, no caso, o velho amigo Jofre Jacob de Freitas. "Cetáceos" foi inserida na Coletânea de músicas e poemas "O Último Círculo de Pedras"/Livro-Música, de 1993/1996.

*    *    *

No segundo semestre de 1987, apesar do problema que aconteceu, eu ainda tentei levar a minha vida de maneira equilibrada. Mas, naquela situação era impossível. Minha avó voltou para casa e ficou do jeito que estava por 11 anos, até a sua morte: deitada na cama ou sentada na cadeira de rodas, tendo que comer, tomar banho, urinar e evacuar com a ajuda das pessoas. Porém, devo dizer que apesar do que tinha acontecido, ela ficou com o rosto mais risonho.

 

Quarto onde Marco Rosário morava e aonde a Editora Ogmios foi fundada em 1984, na casa da Travessa do Chaco, em Belém.

Foi a partir do ano de 1988 que eu comecei a beber muito. Eu já bebia cerveja e vinho antes do problema da minha avó acontecer, mas foi depois do derrame cerebral de Olga que eu passei a beber com mais intensidade. Eu sempre gostei de cerveja e vinho. A casa continuava a encher de água quando chovia, e esse problema só foi devidamente solucionado em 1994, quando o piso da casa foi elevado acima do nível da rua.

 

Pintura de Hieronymus Bosch

Em termos de música e pintura, a Editora Ogmios (Seaculum Obscurum)/ Gravadora Arte Degenerada teve sua atividade interrompida por tempo indeterminado. A última música que eu compus se chamou “Cetáceos”. Eu a fiz em parceira com o Jofre Jacó de Freitas. Esta música, composta e gravada em 1988, e outra (The Wife of Ushers Well, um poema inglês do século XV), composta e gravada por mim e Heitor Meneses, em 1986, foram as únicas músicas feitas por mim e outras pessoas dentro da Editora Ogmios. As outras músicas foram composta, tocadas e gravadas por mim, sem a ajuda de ninguém.

 

Em termos de poesia, a Editora Ogmios ainda continuava, porém, sem o mesmo brilho que tivera anteriormente. Durante o ano de 1988, eu comecei a me aproximar mais dos colegas do Curso de Direito, em especial, de pessoas ligadas à correntes políticas da esquerda. Eu jamais me filiei a qualquer partido político, mas eu sempre votei e fiz campanha para os candidatos do Partido dos Trabalhadores e para outros partidos de esquerda. Durante aquele ano, eu comecei a escrever alguns poemas e foi daí que surgiu o livro “América Latrina e o Gigolô Americano”. Este poema foi inspirado numa música do banda britânica The Incredible String Band. Era uma sátira sobre a América Latina e a presença americana no continente. Este poema e outros mais circularam no ano de 1988, no Curso de Direito, da Universidade Federal do Pará. Em 2002, juntei todas esses poemas e mais alguns, também escritos em 1988, no livro “América Latrina e o Gigolô Americano”. Mas, na época, este livro não existia. O poema “O amor Construído no Pó”, que é desta época e está no livro “América Latrina e o Gigolô Americano”, foi publicado no dia 23 de dezembro de 1988 (sexta-feira), no jornal paraense Diário do Pará (D-4), com o título “O Amor Construído na Poesia”, alteração esta feita pelo meu pai, sem a minha autorização.

 

Foi em 1988 que eu conheci a música de Meredith Monk, através do álbum Dolmen Music. Fiquei fascinado por ela e pelo álbum. São poucos os álbuns que eu considero perfeitos: Rubber Soul (Beatles), The Piper At The Gates of Dawn (Pink Floyd), One Nation Underground (Pearls Before Swine), John Wesley Harding (Dylan), Red (King Crimson), Kick Out The Jams (MC 5) e Dolmen Músic (Meredith Monk). Se eu tivesse conhecido o trabalho de Meredith Monk em 1984 ou em 1985, com certeza ela teria sido uma grande influência para a Editora Ogmios (Seaculum Obscurum)/ Gravadora Arte Degenerada. Mas, eu conheci a música dela um pouco tarde demais.

 

O álbum Dolmen Music, de Meredith Monk (1981), que impressionou e influenciou profundamente Marco Alexandre Rosário.

Meredith Monk (Foto de Robert Mapplethorpe).

Em dezembro de 1988 Ana Preta faleceu. Como não foi possível enterra-la no quintal da casa do meu tio, que mora na mesma rua da minha casa, eu tive que abandonar o corpo dela num terreno desocupado que ficava localizado na Avenida 1º de Dezembro, próximo da minha casa. Isso aconteceu pela parte da tarde. Na noite daquele dia eu voltei ao terreno aonde eu havia deixado o corpo dela. Pedi para São Lázaro ressuscita-la, mas não fui atendido.

 

Uma  foto de uma cachorra desconhecida, parecida com a cachorra Ana Preta (1978/1988), que Marco Rosário encontrou na rua e levou para casa em 1978.

Preto, o gato, ainda viveu até 1989. Ele simplesmente sumiu. Um dia, ele saiu de casa e não voltou mais. Provavelmente, ele deve ter sido atropelado por um carro, ou ter simplesmente mudado de casa. Deodata disse ter visto o gato andando próximo de casa, muito tempo depois.

 

O gato "Preto" (1983/1989) e Olga Rosário, avó de Marco Rosário, em 1989.

Em 1989 eu comecei a dispersar os trabalhos da Editora Ogmios (Seaculum Obscurum). Eu simplesmente comecei a dá-los de presente para amigos, namoradas e pessoas desconhecidas. A primeira edição do livro “O Tecelão de Paisagens” (eu havia feito dois exemplares, um em 1986 e outro em 1987) foi dado para três cidadãos franceses (Laura, Nathalie e Jean-Christophe), por volta de julho de 1989. Todos residiam em Paris, capital da França. Guardo até hoje um livro do escritor Robert Brasillach (Comme le Temps Passe), que eles me deram de presente. Neste livro constam dedicatórias à minha pessoa escritas por estes franceses. Eu lembro que a Nathalie disse o seguinte, no aeroporto de Belém, quando eles estavam indo embora: “esse livro do Brasillach tem aos montes na França, mas este teu livro é o único no mundo”. Eu disse a ela que eu tinha outro exemplar. Eles levaram o livro “O Tecelão de Paisagens” para Paris e essa foi a primeira vez que o nome da Editora Ogmios (Seaculum Obscurum) entrou na Europa. Embora Laura tenha me fornecido o seu telefone (em Paris), eu jamais entrei em contato com ela e seus amigos novamente. Os livros “Poemas” (1984), “Um conto sobre a vida de São Francisco de Assis” (1985), “Uns Dias na Infância” (1985), “As Cores” (1985), “As Flores” (1985) e “O Tecelão de Paisagens” (edição de 1987), tudo em original, foram dados para Maria Ineida, minha segunda namorada. Isso ocorreu por volta de novembro de 1989. No ano de 1993, Maria Ineida devolveu alguns livros: “Poemas” (1984 – alguns poemas que constavam neste livro desapareceram), “Uns Dias na Infância” (1985), “As Cores” (1985), “As Flores” (1985) e “O Tecelão de Paisagens” (edição de 1987 – quatro poemas deste livro também desapareceram). Maria Ineida faleceu em janeiro de 2000, vítima da leucemia, conforme fui informado por seus familiares. Seus familiares não souberam informar o paradeiro do livro sobre “São Francisco de Assis” (1985) e dos poemas desaparecidos dos livros “Poemas” (1984) e “O Tecelão de Paisagens” (edição de 1987). O livro de pinturas intitulado “Surrealística I ” (1986) foi dado para Jofre Jacó, provavelmente nos anos de 1989 ou 1990, sendo que o Jofre, segundo informações prestadas por ele, perdeu o livro durante uma mudança de residência. O livro de pinturas intitulado “Surrealística II ” (1987) foi dado para Andrea Pontes Souza, provavelmente no ano de 1990, sendo que a mesma me informou que não sabe o paradeiro do citado livro, provavelmente perdido durante uma mudança de residência.

 

Portanto, muitos trabalhos da Editora Ogmios (Seaculum Obscurum)/ Gravadora Arte Degenerada simplesmente desapareceram. Foi muita sorte Maria Ineda ter devolvido a maioria dos livros que estavam com ela. Se isso não tivesse acontecido, eu não teria nenhuma prova da existência da Editora Ogmios (Seaculum Obscurum). Pelo menos em relação aos livros mais antigos.

 

hhh

 

 

AMÉRICA

LATRINA

&

O

GIGOLÔ

AMERICANO

 

 

MARCO ALEXANDRE

DA

COSTA ROSÁRIO

 

 

%

%POESIA%

%

 

 

EDITORA OGMIOS

(SEACULUM OBSCURUM)

*BLITZBUCH*

1988



SUMÁRIO

 

  

LEIA-ME! EU SOU SUA BÍBLIA!!!!

 

AMÉRICA LATRINA & O GIGOLÔ AMERICANO

 

O AMOR CONTRUÍDO NO PÓ

 

O AMOR CONSTRUÍDO NA POESIA

 

LUGARES

 

AMÉRICA LATRINA

 

FASCISNÓLIA

 

ÁGUA E MORTE

 

AS CINZAS DO AMANTE NA BOLSA DA JOVEM DA NOITE

 

UMA FRAGMENTAÇÃO NA BIOGRAFIA

 

POEMA À MULHER IMPERFEITA

 

NO PÁTIO DA ESCOLA

 

A CARTA

 

NO SOL ARDENTE

 

PALAVRAS DA VELHA MULHER

EM SUA CHUVA DE FLORES

 

ABAIXO DA LUA AMARELA

 

ELEGIA

(para um heróis do Ocidente)

 

A VOZ DO PARTIDO

 

PALAVRAS

 

 *    *    *

 

  

 

LEIA-ME! EU SOU SUA BÍBLIA!!!!

  

 

leia-me! eu sou sua Bíblia!!!

sinto que você está só,

ansioso,

muito nervoso!!! uh, uh!

preciso de sua alma para alimentar seu Karma.

oh! Viver seu drama!

ver você se transformar numa brahma!!!

 

leia-me! eu sou sua Bíblia !!!

vamos, leve-me para a rua,

através de uma noitada anarquista.

sei qual é seu problema:

seu cérebro fica no pênis!!!

sim! leve-me para um motel!!!

satisfarei seu desejo!!!!

 

 

um milhão de mulheres nuas!!!

altavelocidadesemdireção

tensãocoraçãocopulaçãoconsolação

vou colocar um revólver em suas mãos!!!

 

leia-me, eu sou sua Bíblia!!!

 

BAM! BAM!

BAM! BAM! BAM!

leia-me! leia-me!

BAM! BAM!

BAMBAMBAMBAM!

leia-me! leia-me!

 


 

AMÉRICA LATRINA & O GIGOLÔ AMERICANO

  

américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

  

das ondas do mar, de um galeão espanhol,

observamos a rainha américa latrina e seu gigolô americano:

ele fumando charuto cubano.

vamos lá que a rainha tem belas filhas

e ela nos dará bons dotes

e até seu ouro escondido embaixo de sua saia,

e até mesmo sua prata,

e o gigolô é nosso amigo.

  

américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

  

mendigos à beira da avenida

vomitando fome do pênis em ereção com bandeiras tremulando,

coloridas, sobre bandejas de frutas tropicais,

e o verde deu lugar ao cimento,

e os índios fugiram para a floresta,

e outros índios foram mortos pela cavalaria,

quando fumavam o cachimbo da paz nos trilhos do trem,

e muito navios trouxeram escravos para saldar

a jovem rainha américa latrina & seu gigolô americano.

  

américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

  

enormes são tuas florestas e rios.

um dia, o deus branco, que por tantos séculos aguardavas,

regressou em caravelas,

não para trazer auxílio aos Incas,

mas para crucificar Ataualpa no mastro das caravelas.

trouxeram álcool e doenças também.

mas, tu ficaste calada, adorável rainha.

  

américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

  

quando as crianças do paraguay morreram,

tu não as enterraste em teu solo, mas em tua memória.

quando o canto da África foi ouvido em tuas terras,

só tu não quisestes ouvir, preferindo entrar em tua igreja católica apostólica romana luterana batista, norte-americana...

tu, rainha.

  

américa latrina & seu gigolô americano

américa latrina & seu gigolô americano

américa latrina & seu gigolô americano

  

as crianças despertaram, e foram parar na frente da televisão,

e não querem mais aprender teus hinos e orações.

teus operários estão famintos, perdidos em teus bordéis,

tuas mulheres são prostitutas nas embaixadas dos impérios

financeiros...

só tu ainda insistes em cantar tua glória imaginária.

tu, rainha.


américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

  

coro de crianças indígenas: compra um útero novo, fecundo.

                                         oh! senhora rainha! rainha américa latrina!

                                         entre flechas e arcos

                                         negocia teus pecados por indulgências

                                                 que te levem às alturas

                                                 resgata nossas terras queimadas

                                                 resgata nossas poções mágicas

                                                 resgata nosso passado que não chegastes a conhecer

                                                 américa latrinaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!!!!

 

um mendigo: meu pai era chefe de tribo,

                          minha mãe era a melhor parteira de machu pichu,

                          minha irmã é empregada na casa de meu senhor.

 

américa latrina,

                            puta enjaulada em si mesma,

não sei se sabes andar em moléculas desfalecidas

ou no mar onde todos estão adormecidos.

  

américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

  

 

quando eu estavas nu,

não viestes em meu socorro,

e agora apareces em uma concha, como uma Afrodite indígena,

gritando meu nome na multidão de padres

Foda-se, tu rainhazinha...

américa latrina

respira um ar novo...

só amas o que é grande, forte e poderoso...

experimenta amar o que é fraco.

Porquê não podes sondar os corações dos presos em tuas penitenciárias?

 

mulher – rainha américa latrina...

se queres ser realmente grande,

tira tua roupa em praça pública, como o mendigo em tua rua,

e vomita os mortos que engoliste.

 

mas, depois volta ao silêncio marítimo

e, sentada em tua cama vazia, relembra meu nome,

porque eu perdi meu conforto para ouvir tua confissão em tua alcova.

 

 

 

 

Tu, américa latina.

Tu, américa latina.

Tu, américa latina.

Tu, américa latina.

Tu, américa latina.

Tu, américa latina.

Tu, américa latina.

Tu, américa latina.

 

 

  

O AMOR CONTRUÍDO NO PÓ

   

o amor construído no pó

 

o medo da morte

que te arrasta para

o medo da vida

que te arrasta para

o medo da fome

que te arrasta para

beijar os pés dos senhores

 

o amor construído no pó

 

  

 

AMOR CONSTRUÍDO NA POESIA

Poema da Editora Ogmios publicado em jornal paraense em 1988 (Belém-PA).


O vendedor indo

de cidade em cidade

e seu amor sem raiz

em nenhuma cidade

 

Seu medo da morte

que o traz aqui

sua persistência em conservar

a vida e seu medo

 

Da fome que o arrasta

de lugar a lugar fazendo-o

beijar os pés do senhor do lugar

seu amor construído na poeira

  

* Versão do poema “O Amor Construído no Pó”, publicado no jornal paraense Diário do Pará (Caderno D-4), no dia 23 de dezembro de 1988 (Sexta-feira), em Belém Estado do Pará.




LUGARES

  

se alguma vez andares

        por estradas perfeitas,

                   que os outros consideram

                                 por demais imperfeitas,

 

e olhares para o

         complexo universo

                          da tua alma

                               nos espelhos submersos,


no antiquado paraíso,

         terás o teu pequeno mundo

                no caos das essências,

                     e as formas nelas esculpidas,

 

passageiras, imprecisas,

             e a tua pele em erosão

                    no rio envolvida pelo rio...

                                o oceano em silêncio

e a corrente de gelo

    queimando o teu sangue.

O deserto é para nós,

        a cada movimento nos ciclos,

 

ou o ódio ou o amor

        nos labirintos,

            percorridos por amantes

que santificam seus infernos

            nos muros finitos das ambições

                 no mar em espiral

de um cemitério desconhecido,

            teus sonhos adormecidos enquanto estás

                            do outro lado do rio, acenando,

imperceptível,

       aos outros

             que já não podem te ver.

 


  

AMÉRICA LATRINA

  

  

...muchos

 

                   &

 

                            muchos mares, &

 

Colombo & sua rainha nas ilhas índias

 

                                      &

 

                                 caravelas

 

 

La America

 

                            tierra & latrina

                                 America

 

 

La America                                              La America

 

                            e suas igrejas                           e seus machos

 

La America                                              La America

 

                            e suas escadarias                             e seu ouro

 

La America                                              La America

 

                            e seus dançarinos                            e seus negros

 

La America                                              La America

 

e seus assassinos                            e seus amores

 

                                La America

 

seus exércitos            &                seus dirigentes

 

                                   seus

 

         índios                                              estrangeiros

 

                                                                            & Colombo

 

                                                                                              e sua rainha

 

                                                                            para

 

                                                                                              muitos

 

                                                                            mares

 

                                                                                              ainda...

 

 

  

 

FASCISNÓLIA

  

 

Uma voz: Tudo

 

                          o que pode ser

 

                                                         perdido

 

                É o que você pode perder

 

                pela crença

 

                queimando em você

 

 

         TUDO TUDO TUDO

 

                É o que

 

         VOCÊ PODE PERDER

 

                ou depois

 

         OU ANTES DO DILÚVIO

 

Coro: TUDO O QUE PODE SER PERDIDO,

 

         TUDO O QUE PODE SER PERDIDO,

 

         TUDO O QUE PODE SER PERDIDO.

 

 

 

 

Uma Voz: Você corre para o tudo

 

                 E é o que você perde

 

                         É o que você perde

 

                            É o que você perde

 

 

                         UMA HORA ANTES

 

                                                                    DO MUNDO NOVO

 

                         UMA HORA DEPOIS

 

                                                                     DO MUNDO VELHO

 

 

  

ÁGUA E MORTE

 

os delicados sons que nos chegam da cidade,

o desespero claro e limpo dos subterrâneos ocultos.

lá, onde abrigam-se os mitos do aço e do apodrecimento,

a mulher chora quando o filho a rejeita.

 

ele partiu para um cerimonial,

abandonou os palácios da música e do amor

fugindo da cidade.

o dia veio e o dia se foi

amor e ódio e os caminhos foram sempre os mesmos,

engolindo vida e morte a cada movimento perdido,

e a existência declinando sem rumo em uma sepultura esquecida e vazia.

 

ele partiu

e na cidade a chuva caia.

 

Tira tua máscara de medo e olha para a vida!

 

então, não te disseram que seria assim,

ou achavas que encontrarias um paraíso aqui?

infernos santificados e não o paraíso

e embora acreditasses em um ou outro

sabes agora que perdestes o tempo

 

ouviram o lamento e as lágrimas vindas do tempo?

 

Descobriram algo mais que disputas entre espíritos?


acreditaram quando o homem andou sobre o mar e curou as chagas?


Quando eu era uma criança,

ouvi alguém dizer que a vida e não a morte

era desejável.

Um dia vi a mim mesmo:

um rosto jovem na alma de um velho

e agora procuro abrigo.

Virão guerras e virão ilusões

e todas às vezes que tentei gritar

                   alguém abortava meu caminho.

  

Ir em direção ao oceano.

Ir em direção dos montes e da gente humilde,

enquanto na cidade

os mortos dançam e habitam,

putas vendem artificiais paraísos de placenta e sangue,

lésbicas e veados convidam,

ladrões e ricos homens celebram a poeira do tempo,

bêbados e ateus, padres e pastores cegam a multidão,

e o que deixaste para nós?

e o que deixaste para nós?

 

Parem! a guerra começou.

...é hora de ouvir o silêncio...

os anjos estão às portas da cidade,

a espera do sinal e libertarão o átomo.

  

Deixa os que amas,

pois é hora de partir,

e é só contigo que quero viver.

  

os desejos são muitos e não haverá ninguém para sacia-los...

confortáveis são a seduções

e a roda da loucura está sem controle

e ninguém sabe a quem ela atingirá

& o cadáver do ditador encontra refúgio na imagem da t.v.

e as pessoas andam e confundem sonhos & realidades.

  

sonhos & realidades...

realidades & realidades...

amores & amores...

vida & existência...

  

Água & Morte!

Água & Morte!

Água & Morte!

  

Água e morte!

Água e morte!

Água e morte!

Água e morte!

 Água & Morte!

Água & Morte!

Água & Morte!

  

Água e morte!

Água e morte!

Água e morte!

Água e morte!

 

                            Eu sou o que sou

                            e nada sei para falar alguma coisa.

                   e andei na extensão dos meus caminhos,

                   e vi os mortos e as muitas lágrimas choradas por eles,

                   e andei na extensão dos meus caminhos,

                   e vi o sangue derramado nas ruas da cidade,

                   e andei na extensão dos meus caminhos,

                   e vi a destruição e a desilusão,

                   e andei na extensão dos meus caminhos,

                   e passei por Damasco e Jerusalém,

                   sempre andando na extensão dos meus caminhos.

 

Por muito tempo habitei no subsolo da cidade

e amei ali muitos que passaram por mim

e recordo cada rosto que conheci

e agora retornei ao oceano... e à vida.

irmãos & irmãs!!!

o silêncio é completo em nós

e nossas orações são ouvidas para além do mar e para além das estrelas

construiremos novos céus e novas terras

a cada passo que podemos dar...

todos sabem o que fazer.

...talvez saibam o que fazer.

 

  

 

AS CINZAS DO AMANTE NA BOLSA DA JOVEM DA NOITE

  

o amor perece numa casa

pintada com rostos na memória

e tu sais para a rua

procurando um deserto para unir com o teu,

e numa orgia de álcool

revelas teus segredos aos amigos,

pendurado pelo cordão umbilical da terra,

agonizando como um feto no útero do universo,

expondo teu crânio e tua alma

a um estranho.

nem bem viras as costas,

e já vem o medo dissecar teu passado.

 

paga-se bem por uma jovem da noite

iluminada pela rua.

ela enrosca-se no poste

enquanto cobra por teu alívio

algumas notas envelhecidas.

é o preço da tua liberdade...

tua a violas e estais livre do pecado.

 

observas sua intimidade

através da fresta de um espírito negro...

será o amor tão pouco para dissolver-se

num charco de amantes?

custará o amor tão pouco

que se pode pagá-lo com dinheiro?

 

Agora que sabes a verdade.

observas a jovem da noite

e todas os seus movimentos

partindo no primeiro trem para outro quarto.

melhor seria que beijasses

a terra de minha sepultura,

ajude-me! não quero morrer ainda vivo.

ajude-me! não quero a ignorância do conhecimento.

ajude-me! antes de partires com minhas cinzas em tua bolsa.

 

  

 

UMA FRAGMENTAÇÃO NA BIOGRAFIA

 

nós aqui – nós ali – nós em nenhum lugar – aqui & ali – em nenhum lugar

nós – em todo lugar – onde houver o vácuo & a luz se propaga – no aqui & ali

na ossatura da lua – ou no silêncio do lobo

 

nós – no fim - & nós – no princípio - & no ontem & no amanhã – o hoje já não existe – no fim & no princípio – no interior dos círculos – dos buracos

do fim – para o princípio - & outra vez – o fim – nas orações em volta do sol

 

lamentação:

em um lugar para lugar nenhum lugar, gerando sempre um caminho

para lugar nenhum – para nenhum caminho

quando, por indiferença, escondes o rosto no meio da multidão

no meio do número, multidão individual – não coletiva – não una –

dispersa – em confusão – nas palavras no muro

 

as lágrimas no muro – os olhos perdidos no jardim

para jamais serem encontrados outra vez –

nem céu renovado – nem fogo renovado – nem oceano antigo

 

o coração iluminado num animal

e a porta aberta:

                                    para o campo, atrás da estação

& o grito imperceptível na boca, efêmero, sem vida,

ecoando na confusão dos carros,

e assim semeias teu osso antigo no cemitério de carros,

caindo nas pedras ordenadas – ou no lixo iluminado – ou ainda na distância

 

e o animal fere-se todo – no meio da maquinaria fria –

defecando, rindo, chorando, ou uivando –

esfomeado num canteiro de livros –

indo de um caminho para um possível lugar – na geleira –

na direção do vácuo infinito

no ponto úterouniversal

de um buraco de t.v.

 

           nós te amarelos, apenas num sonho.

           nós te seguiremos, depois de ouvirmos a pedra.

           nós te sentiremos, no teu corpo, num cemitério elétrico.




POEMA À MULHER IMPERFEITA

 

A mulher imperfeita foi aquela

que o marido degolou com uma navalha

em uma madrugada de chuva, dizia a imprensa

 

A mulher imperfeita foi ferida

pelo marido quando ele a viu

com outro homem num carro

 

mas eu não a considerava imperfeita

ou mesmo perfeita, pois eu estava em sua cama naquela noite,

ela era tão somente uma pequena flor,

perdida em um jardim de cosméticos,

em disputa com os raios do sol,

e seus cabelos de fogo escorriam

pelos ombros como mel

 

não, eu não diria que ela era imperfeita

ou, pelo menos, mais imperfeita que o marido

que naquela madrugada voltava de um motel

 

onde passara a noite na companhia

da mulher de um amigo seu

 

  

 

NO PÁTIO DA ESCOLA

  

Longe é sempre uma antiga manhã apagada da memória, meu querido.

Longe... é um dia que se perdeu na multidão dos dias, meu querido.

Longe... é um dia que não tem horas, nem minutos, meu querido.

Longe...           e jamais voltará na memória...

longe, muito longe...

no começo, na origem...

longe... muito, muito longe, meu querido.

 

naquele dia,

estavas sentado no pátio do colégio

ouvindo o rumor das pequenas ondas humanas

correndo pelo jardim,

iguais aos peixinhos no aquário do avental da professora.

 

...e o que será de nós no futuro?

eles não dizem, eles não sabem.

 

maria não te ama mais.

maria dança na beira do rio.

 

diz adeus às belas manhãs,

recheadas de doces e lágrimas...

diz adeus às belas manhãs

elas não voltam mais,

e a mulher tem muitos maridos e nem um filho...

a força embrionária que fez de ti um espantalho.

 

De pé, em cima de uma ilha, lá estávamos nós,

e nus, choramos

no brilho do sol inicial.

 

guarda aquela manhã em tua estória...

 

são 11 horas

são 11 horas

 

e novas crianças começam a sair outra vez das escolas

e talvez encontres um rosto semelhante ao teu

ao ver a poeira assentada em teus olhos-cristais,

ao ver a poeira assentada em teus olhos-cristais.

 

vai, meu querido, vai pela floresta de carros,

foge do fantasma que trouxe o espelho com a tua imagem.

vai, desaparece entre os limites do oceano-concreto

onde os bons rapazes perderam suas pequenas almas.


 

Carlos é hoje um mendigo,

Ângela matou o marido,

Antônio seguiu a advocacia,

Andreia tem 2 filhos e uma neurose,

José enlouqueceu,

Edilson cumpre pena em Americano...

pobres rapazes,

gerados no subúrbio copular da modernidade provinciana,

em baixadas, em grandes casas,

regando a sepultura com boas notas,

cantando o hino nacional e bebendo coca-cola.

eles nunca sabem o futuro

quando aquelas crianças estão rindo,

atrás de livro, carteiras,

com as mãos sujas de areia.

  

mas o pátio da escola permanece inabalável...

       o pátio da escola é de cimento e lajotas...

       o pátio da escola é um mar

       que devora as águas, vindas da nascente de um rio

       e nunca se enche.

  

não encoste suas grandes mãos imundas em nossos pequenos corpos!!!!

 

  

 

A CARTA

 

“minha carta suicida adormece

numa folha de papel em branco a cada ano”

 

“no quarto ao lado soa o canto de uma prostituta cega;

na madrugada irei ao seu pequeno túmulo

visitá-la e adornarei de visões seu silêncio úmido,

rindo com os dentes que sobraram na minha boca

em sua carruagem nupcial para dementes”

 

“anjos giram o mundo em meu quarto...

a faca quieta em cima da mesa,

olho pela janela o mundo que se dissolve na rua

chove muito durante a noite”

 

“no outro quarto

um velho homem toca um violino.

dever ser estrangeiro

sua melodia penetra em minha carta,

uma pequena serpente sonora rindo nas paredes invisíveis”

 

“engraçado! devo ter esquecido alguma coisa

que gostaria de lhe dizer...

não lembro...”

 

“minha carta suicida adormece

numa folha de papel em branco

nua como adão e eva

quando fugiam do paraíso”

 

“ ‘wer beim juden kauft ist ein volksverräter’, gritou o velho no fim da melodia”




NO SOL ARDENTE

 

 Dance, Dance,

                        Agora você pode dançar,

                        Ainda pode dançar na minha escuridão.

Dance, Dance,

                        Para os que voltam da cidade.

 

Corte, Corte,

                        Minha cabeça,

                        Expondo-a na entrada da cidade.

O único lugar que você conhece no sol ardente: os quatro cantos da sua cama.

 

3 vezes,

                3 vezes,

                                3 vezes

 

                                eu chamei seu nome

                nos jardins que separam meus espíritos...

quebre seus ossos antes que o sol comece a chorar.

 

eu sou um morcego,

eu sou um humano,

eu sou um entardecer,

misture o seu sangue ao meu.

 

deixe meu sangue

invadir seu

                corpo...

meu

sangue

   doce,

 

meu

        sangue

                   árido.

 

Senhora, Senhora,

                        minha árida Senhora,

que trata a todos com amor,

        quando lhe pagam bem

 

e todos colheram pequenas mulheres,

para adornarem seus haréns.

 

nem amor, nem ódio...

 

homens, homens,

[AQUI Encontramos o prazer

nos jardins noturnos de

        minhas amadas senhoras]

 

Dance, Dance,

        Tudo pode dançar na minha escuridão.

 

Dançarinos e dançarinos...

 

Dance, Dance,

 

 

bela dançarina da solidão,

                e eu enxugarei suas lágrimas.




PALAVRAS DA VELHA MULHER EM SUA CHUVA DE FLORES


Despeço-me de mim mesma,

Meu tempo, minha chuva e meu devaneio.

 

Despeço-me de mim mesma,

Meu beijo, meu amante.

                                E meu amor, e meu jardim, e meu telefone.

 

 

Meus sonhos fogem e minha porcelanas se quebram,

Em meu coração disforme.

 

                        Declínio do verão.

 

Eu sou a senhora,

                        A senhora destas ruas... sem ninguém,

 

Repletas de homens e mulheres,

de crianças e gatos,

e nem um amor

na memória ao amanhecer.

 

e desse jeito, despeço-me de mim mesma

e de minha casa, de meus sentidos.

 

Os vidros da janela se partem

Um a um,

Rangem as portas

E meus homens não retornam

Como faziam antes.

 

Eu sou a senhora dessas ruas,

Eu sou uma desconhecida

No interior de meu amor e de meu ódio,

 

E as lágrimas podem guardar suas filhas e oculta-las de uma desconhecida,

 

E desse jeito

Despeço-me de mim mesma,

Despeço-me de mim mesma,

Em minha chuva de flores...

 

 

 

ABAIXO DA LUA AMARELA

 

Rosto embalsamado

Pelo álcool

 

Uma já se foi

Para viver um dia

 

Vida assim não haverá

Nunca mais

 

  

 

ELEGIA

(para um herói do Ocidente)

 

  

Aqui viveu,

                 Aqui chorou,

                            Aqui sonhou e riu,

E ainda teve tempo para

Fuder com mulheres de vida rápida,

 

Ricas ou pobres, ou ainda

                          Enfeitiçadas...

Sem ser político, andou sem ter direção,

                 cuspindo em tudo o que viu e ouviu

 

Isso, até ontem a noite,

quando a polícia libertou sua alma libertária,

 

Abrindo quatro magníficos jardins

                                    em seu crânio iluminado,

Após ter estuprado

                                    uma garota

que lhe quis negar o amor.

 

  

 

A

VOZ

DO

PARTIDO

 

  

o partido falou

                   & as ovelhas cantaram.

o partido traçou os rumos

                   & nós o seguimos.

ouviram-se gritos e música

                   germinando na cidade,

sem movimento,

                   diante da voz do partido.

e se o partido falhar,

                   as ovelhas ainda cantarão...

a multidão sempre estará alerta,

                  sempre sufocada nos gritos,

descendo & subindo.

 

 

mas onde se perdeu a tua voz no meio dela,

                                      a tua voz sem importância,

                                      a tua voz que morre nos escritórios,

                                                                      nos comitês,

                                                                      nos quartéis.

 

 

A voz do partido

                            & as milhares de vozes,

a igreja hermafrodita, o economista ilusionista

ou o industrial no manicômio.

 

 

é a voz do mundo,

      a voz do ocidente,

         a voz do juiz,

            a voz do marido

e o submisso silêncio,

  a súbita morada no paraíso entre duas bombas,

    primeiro sonho para a mulher enganada,

      profundo sono para o judeu em sua câmara de gás.

 

e o partido é tudo

no emblema posto na pele do velho louco,

andando nas ruas do subúrbio sem identidade.

 

  

 

PALAVRAS

  

e o ódio pairando

por todos os lados

e nenhuma união...

apenas reunidos para o saque no banco...

  

ocultos,

devoraram um milhão de acontecimentos

e não apreenderam nem um movimento.

 

 

então, eu vi algumas damas no jardim de Herodes

nuas, rodeando a cabeça de João Batista.

 

 

Vista consagrada de imagens secas, mutiladas pela televisão,

realidade mutilada,

tempo mutilado, não recordado em esquinas,

mas no banquete bem nutrido de miseráveis oculares

muito foi visto e muito foi ouvido,

por favor, eu quero o descanso no paraíso.

 

A Dama Tímida,

a mão que oculta a carne,

entrelaçada, que reveste o espírito

com risos sem sentido.

 

O lugarejo fechado do sul,

com a mente em redemoinho, sempre para o dia anterior voltada.

Todos os fins correm para as referências do teu fim

e o teu fim em todos os fins não está;

o teu fim está em alguma ordem em desordem,

                        ou num campo aberto pela imaginação

em que cada poente é uma espera para um retorno

possível,

& estando ali, ou do outro lado deste lugar,

não há existência que habite sem conceber o que é possível,

onde as portas estão fechadas & as casas declinando

para onde os ratos encontram o exílio

num muro de palha erguido para o vento.

A morte é e sempre será prisioneira da constante morte da vida;

porém, só a morte da vida construirá um novo caminho

para além do infinito, para além dos portões desta cidade...

manhãs em fragmento, horas em ordem feitas para a desordem,

aurora estilhaçada (pontos de ônibus)

por aqueles que limitam o jardim para nada criar

& assim fizeram aqueles que ontem estavam nos pontos de ônibus

& agora germinam escassez nos cemitérios,

copulando com quantos pelas ruas caminhassem

até que uma onda de afrodisíacos os levassem às sepulturas

ou a um novo altar de revistas pornográficas,

onde uma janela nos mostra o campo descolorido.

Procuro a flor, a voz não mais existe nas horas do relógio.

A voz está mutilada pela confusão do silêncio

& as horas do relógio estagnadas,

o vento, a dama, e uma antiga dança ainda, em que a música

não pode ser ouvida.

Ali, no campo descolorido, onde me disseram que vivia a inteligência

fiz uma casa e oculto meus significados,

ali tudo converge para um fim uno,

& ali eu vi um profeta crucificado

na proa de um barco, sem rumo e sem referência,

pois a corrente que nos animava o inconsciente se rompeu,

& fomos para os vales

deixando a cidade para trás,

& fomos para as montanhas

deixando a cidade para trás,

 

Celebraram o funeral no meio de uma chuva elétrica.

Celebram a caverna ocular,

vomitando sonhos na retina sem brilho.

Nem descanso para aqueles que retiravam todas as horas

para não viver nenhuma hora.

 

 Tecnologia na ALCOVA

  

Ela levantou-se no meio de uma noite comum,

de uma quarta-feira comum,

assustada com um pesadelo comum,

e ficou olhando para a rua comum,

e para a cama comum e vazia;

e se debruçou na janela, chorando.

 

Depois ela foi ao armário, e depois ao banheiro, e voltou para o quarto,

e apanhou o vibrador em forma de pênis...

tomou um tranqüilizante comum,

acendeu um cigarro comum,

e um coração de amor artificial também comum.

 

  

whaleia

 

quando viu um homem se afogando no rio,

que agora lhe parecia um oceano, não estendeu sua mão, deixando-o morrer,

andando sobre as águas;

a morte beija-lhe os lábios empoeirados,

metade de seu corpo na lama,

não sou um número no meio desse infinito, eu crio poemas e música.

 

A Norma

 

a norma é esta:

amar a ti mesmo com todo o egoísmo possível

e depois despojar teu eu gasto de todo o eu possível

para amar a quem não amas.

  

Deixe-me delirar, Doutor,

até que eu possa olhar

os pontos incandescentes

na linha do tempo, Doutor,

na linha do tempo, Doutor,

através de um muro cinzento,

até que eu vá ao manicômio para

vê-los correr pelo

campo da imaginação,

e sem andar no cemitério burguês

e sonhar seus sonhos num jardim...

 

 

o fim da ponte

 

A dama está viva

rindo na ponte,

desdentada,

do homem sem relógio,

pinturas movem-se na sua parede

visual...

as lágrimas e os risos que secaram

no muro do cemitério...

 

Tão Sonolentas,

 

isto é uma grande

mentira...

 

não existirão mais

lágrimas, nem risos,

nem cemitérios,

nem fábulas,

nem encantos, nem fadas,

enquanto os portões enferrujados

da manhã nova

não se abrirem para a escuridão.

 

Ratos na mente,

Fome na mente,

A imaginação foi banida,

E no campo, o concreto

Emerge, num sol estrelado

 

 

O Espelho

 

 

O ideal é conheceres

a ti mesmo, olhando-te profundamente

neste espelho.

Não me podes ajudar.

Não posso te ajudar.

O que sei apenas

irá comigo.

O que nunca pude saber

Também irá comigo.

É ideal conheceres

a ti mesmo...

então saberás a quem

velam no templo.

 

que luta justa é essa,

se jamais poderás

ganhar.

 

Eu apenas ando

atrás de

uma

nova

alma.

 

cada palavra que

digo,

cada palavra que

desminto.

 

não teve importância...

 

Eu quis ter outra

Existência,

Outra alma...

essa multidão onde desapareces

incógnito,

no meio da eletricidade,

jamais saberás...

  

 

Nos ensinaram

tão perfeitamente o caminho

que nem Deus crê em mim.

 

O corpo deteriora,

o amor que você

quis salvar.

O amor que nós

todos

quisemos

salvar.

Um belo corpo,

que vai se deteriorando.

 

Eu quis tanto ser salvo,

Eu quis tanto ser salvo,

Que acabei me perdendo.

 

Aithas

 

Eu quis fugir de você...

uma luz além de mim

iluminou-me um dia,

uma energia que eu não

pedi,

uma energia que não

gostei,

agora volta-se contra mim.

 

Exorcismo

 

Eu paro, você para,

nada ouvimos,

apenas sentimos,

apenas sentimos,

você para,

apenas ouvindo,

venha

sentir a fome que eu sinto.

 

Diga adeus ao paraíso enlatado.

Nação sem face, homem sem nome,

com toda as tuas torres de Babel

feitas com bolo de concreto...

com teus super-heróis,

obrigado por me deixares dormir

em teu deserto,

com o teu palco de estrelas cadentes,

com teu filho de olhos

azuis chorando no metrô selvagem.

 

A Esposa & o Cadáver...

 

Ela, parada no meio das

velas,

foi a única que não

o esqueceu,

Parada, ela diante daquele

monte de carne apodrecida, velando a memória

do amor ou do ódio,

em um ponto do tempo que passou.

 

Eu teria te amado se não tivesses

gostado da poesia

que te dei

e pelo meu ódio eu te amei

pela tua falta de prazer líquido.

Afinal, para que serve a poesia,

se como tudo, não poderia ter

significado...

 

  

A Fada Cinzenta,

 

os olhos do homem

sentado no banco da praça,

com sua maleta cheia de iluminuras,

diante da fada cinzenta,

voltou-se para todos

os lados possíveis, em todos os rostos

que passavam, e os carros...

quando os sábios do partido

tentavam convencer o idiota

dos benefícios sociais dos seus objetivos.

E ele foi até o deserto

e lá encontrou um profeta:

se queres saber a verdade,

o todo está em algum ponto do vazio.

 

As Máscaras...

 

em cada rosto

no ônibus

as máscaras vão da

entrada para a saída,

e, quando eles respiram

à meia-noite de Sábado, voltam para suas casas

em algum conjunto habitacional,

perto do coração de algum

cemitério.

 

As palavras de amor, belas e doces,

são mortalhas, mulher!!!

 

o amor por todos os lados recoberto por fotografias

& o universo inteiro girando nas folhas de jornais

& o vento velando as folhas desgarradas numa rua iluminada.

por quanto tempo estivestes adormecido, ancião?

andando pelas terras do rei,

segurando nas mãos de estranhos os espelhos com a tua imagem possível,

sem magoar nenhuma mulher, sem juntar nada para o tempo perdido,

cabelos de crianças no jardim,

& ódio & amor & fome & nenhum lamento.

roubei uma porção de terra dos continentes

para fazer uma ilha para as cabras

& tenho que ir até o outro lado do rio

para encher a taça de ouro que vimos no jardim para verter a essência

na água e no rio, nos portões da cidade.

 

transformando a queda numa elevação,

nos movimentos apenas pressentida,

para reabrir o paraíso.

 

deveríamos acender o fogo e rir dos acontecimentos,

fazendo deste encontro um princípio para as linhas do tempo.

O vento bateu, e as portas caíram,

já fazem décadas... os ossos embranqueceram...

obscura fresta nos olhos de um morto...

um cemitério de imagens brancas descendo pelo abismo dos séculos

numa rua de mão dupla.

A noite declina

                        na manhã.

 

Damacisne observa, com a fumaça do cigarro

nas narinas, a casa em desalinho,

a via para o esquecimento é a morte...

                há cinco séculos a vida não é vida, se é que já foi...

Pétalas de poeira nos lábios,

alguns dizem adeus

e outro não tem o que dizer,

gente & gente & gente

nas ruas, gente caindo, gente se levantando

apoiados nas sombras de cada um para ver a queda de todos.

 

  

EDITORA MORANGOS & UVAS

(SEACULUM OBSCURUM)

 

EDITORA OGMIOS

(SEACULUM OBSCURUM)

 

                      GRAVADORA ARTE DEGENERADA

 

SÉRIE BLITZBUCH

 

(1984 – 1993)

 

(2002-2011)

 

AMÉRICA LATRINA E O GIGOLÔ AMERICANO

 

1ª EDIÇÃO: 1988

2ª EDIÇÃO: 2005

 

 

 

“Tudo o que é esquecido

permanece em sonhos obscuros do passado...

ameaçando sempre retornar.”

(Velvet Goldmine)

 

 

 

Editora Ogmios (Seaculum Obscurum):

 

Website: www.seaculumobscurum.com

 

e-mail: editoraogmios@yahoo.com.br

 

 

 


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